Trombei com este livrinho "The joys and sorrows of Parenting" na loja da School of Life (que já apareceu diversas vezes por aqui) e fiquei super tocada pelo conteúdo, querendo dar de presente para todos os meus amigos genitores. 

Não encontrei online a versão do livro em português, então decidi traduzir um breve resumo das partes que mais marcaram a retina aqui deste lado. É um livro bem pequeno (eles foram brilhantes, a edição parece um livro infantil), com 26 textos curtos sobre a parentalidade para tranquilizar e consolar, que caem como uma luva nos nossos dedinhos maternos: amor, responsabilidade, irritação, autoridade, ironia, o pai bom o suficiente, trabalho, sexo, adolescência, ambivalência, luto, e por aí vai.

Ele vai direto ao ponto em todas as nossas questões existenciais, então tive que me controlar para não traduzi-lo inteiro (e ser processada depois). Aí estão só cinco ideias ressonantes. Espero que vocês gostem:

1. Dualidade

Culpa e romantização da parentalidade não são temas novos, mas é sempre bom lembrar.

A sociedade romantiza a paternidade / maternidade, e mesmo pensamentos na privacidade dos nossos corações não passam livres de culpa. Ainda nos sentimos mal ao comparar nossa vida atual àquela que tínhamos antes dos filhos, pensamos que não fomos talhados para sermos pais, e em certos momentos ressentimos nossos filhos. 

Por mais que parece absurdo, este sentimento nada tem a ver com o amor que sentimos por eles. Temos vontade de fugir para o passado ou para um futuro melhor quando as coisas ficam pesadas, e ao mesmo tempo daríamos a vida para manter o que temos exatamente agora.

Honestidade como sempre vem para ajudar nestes momentos. Podemos reconhecer e aceitar com graça a dualidade em tudo isso, reconhecendo que ter filhos é ao mesmo tempo maravilhoso e difícil, gratificante e esgotante, excitante e, às vezes, inevitavelmente tedioso.

2. Os reis do pedaço

Até o Romantismo (que começou na Europa, final do século XVIII) as coisas eram diferentes. As pessoas não se preocupavam particularmente em serem "bons pais" (esta ideia é de certa forma recente), mas a pressão residia especialmente do lado dos filhos. Eram eles que tinham que corresponder às expectativas dos pais, que por sua vez tinham um espectro mais limitado de interferência - escolher o parceiro dos filhos, a profissão, e punir as falhas.

No Romantismo tudo isso virou de ponta cabeça.  A criança passou a ser vista como uma entidade especial e privilegiada, nascida com sabedoria e discernimento. O casamento deveria ser baseado no amor, a carreira uma expressão da sua verdadeira natureza, e a função dos pais passou então a ser outra, e que hoje nos parece tão natural, a de servir a seus filhos. 

Assim, a ideia de que os filhos poderiam não corresponder à expectativa dos pais se inverteu, e são agora os pais que precisam estar à altura de tudo que os filhos necessitam para florescer, podendo falhar com eles em milhares de maneiras (haja terapia!). 

Resumindo, ficou muito mais difícil ser um bom pai.

3. O natural não se aplica a eles

Como adultos, já sacamos que praticamente tudo foge ao nosso controle. Que doença e morte são inevitáveis; que as pessoas são complexas e estranhas; que a vida pode ser solitária; que verdadeiros amigos são difíceis de encontrar; que o amor é raro. 

Mas, quando se trata de nossos filhos, deixamos esse conhecimento geral de lado. Para eles, tudo deve ser diferente, isso se fizermos nosso trabalho direito. Qualquer problema que os aflija é nossa culpa. Nos sentimos responsáveis por absolutamente tudo que acontece com eles. O sofrimento poderia ter sido evitado, se pelo menos tivéssemos nos esforçado mais, sido pais melhores. Desejamos (como expressão de nosso profundo amor) que as regras normais da existência humana sejam suspensas apenas para eles. 

Esta é a explicação lógica da nossa tamanha culpa. Somos perseguidos por uma ideia linda, comovente e insana, de que está totalmente em nosso poder fazer nossos filhos felizes.

4. Irritação

Nós descobrimos um amor que não conhecíamos depois de termos filhos. De repente não esperamos mais nada de volta, só queremos desesperadamente que sejam felizes. Amamos até o que não conseguimos explicar. Suas dificuldades, tristezas, inseguranças, inabilidades. Sua dificuldade em fazer uma tarefa simples, os trejeitos, o desequilíbrio dos primeiros passos. Se são leitores ruins nos damos conta de quão definidora do valor humano pode ser esta habilidade, e nossas medidas se transformam a partir da experiência deles. Sentimos uma empatia imensa pelos seus desafios, e sofreríamos por eles se pudéssemos. 

Mas depois de colocar a vida em suspenso por minutos ou horas (você para tudo e perde a hora para convencer seu filho a colocar o casaco, cozinha brocólis que serão lançados ao chão, rala o joelho brincando de cachorrinho, tranca o dedo tentando instalar a cadeirinha) você percebe que o seu filho parece não simpatizar com nada disso. Eles odeiam o jardim de infância, sem compreender que você tem contas pra pagar e por isso o está deixando aos cuidados de educadores selecionados depois de uma extensa pesquisa, e não o abandonando com estranhos.

Você ainda o ama, é óbvio, mas de repente percebe que o seu filho não é lá muito legal com você. 

E aí vem a realização universal parental: que você perde a cabeça e se irrita com a pessoa que mais ama no mundo. E se odeia por isso. Qualquer adulto deste mundo poderia compreender e empatizar com você nessa situação.

Mas veja bem: você não é uma má pessoa. Só está tentando fazer algo extremamente difícil melhor que qualquer outra geração antes de você já fez. Ok, talvez a gente precise repensar isso.

5. Separação

O resultado estranho e comovente, embora ideal, de se criar uma criança é que, no final, ela se torna capaz de viver independentemente de nós pais. Não apenas no sentido de que eles podem se sustentar materialmente neste mundo (embora isso seja uma conquista e tanto), mas de que podem nos deixar sem se sentirem culpados ou tristes. Se as coisas correrem muito bem, eles nem mesmo passarão muito tempo pensando em nós. 

Nós sabemos muito bem o que isso significa, já passamos por isso como filhos, não é verdade? Não é que eles tenham se tornado frios, indiferentes ou não nos amem como antes. É que, graças à nossa intensa ajuda e devoção ao longo de muitos e muitos anos, eles são agora fortes e seguros o suficiente para prosperar por conta própria - e têm planos para seguir em frente não necessariamente ao nosso lado. 

Se tudo der certo, a esta altura eles já não sentem a necessidade de nos culpar pelas suas dificuldades e não anseiam secretamente por nossa aprovação. Ainda que isso pareça dolorido demais para reconhecer, você saberá que chegou lá quando sentir que terminou o trabalho mais importante da sua vida.

Não há garantia disso, é claro, mas é possível que, em algum momento, muito longe no futuro, nossos filhos, agora adultos, se voltem para nós e insinuem o quanto eles apreciam o que fizemos por eles. Eles vão sugerir que todas as nossas falhas não importam mais para eles, e que apreciam o que tentamos fazer, não apenas o que de fato fizemos, talvez porque eles próprios já tenham cometido sua própria versão dos mesmos erros. 

Eles saberão como alguém pode perder o controle e ainda assim ser uma pessoa adorável; ou como alguém pode estar ausente, mas profundamente terno; gentil, mas muito cansado.

O julgamento da criança mudará, em última análise, não quando eles se tornarem pais - porque esse é um momento cheio de uma certa esperança messiânica - mas quando eles perceberem que também falharam em serem os pais que desejavam ser. Quando eles, por sua vez, foram julgados inúteis e impossíveis.

E então, finalmente, a reconciliação mais profunda será possível. Compreenderemos que nossos próprios pais, como nós, eram apenas criaturas fracas e confusas fazendo o que podiam (e falhando mesmo naquele patético obstáculo) para mostrar o amor que realmente sentiam, mas eram incapazes de transmitir ou representar plenamente. E isso será bom o suficiente.

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Olha, não sei vocês, mas eu terminei o livro com lágrimas nos olhos. Me reconhecendo como filha e mãe em cada pedaço deste ciclo. O centro de toda a reflexão a meu ver é se perceber como parte dessa cadência geracional, ocupando nossa espaço com menos culpa e mais gentileza. Nosso papel como pais não é tirar a frustração da frente das nossas crianças, isso é na realidade um desserviço. E somos tão, tão tolos quando pensamos que podemos fazer um trabalho melhor do que os nossos pais fizeram (ok, aprendemos isso a duras penas, e nossos filhos aprenderão também). 

Acho que estamos nessa roda da vida para experimentar a vida com eles. E que privilégio imenso é ser testemunha da história deles, e eles da nossa. Estamos só caminhando juntos, nem que seja só parte do caminho.

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Os cinco pontos descritos acima são uma tradução livre de trechos do livro "The Joys and Sorrows of Parenting" 26 small essays to reassure and console - School of Life.

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