Quando eu tinha 13 anos olhava em volta e via meus amigos desejando apenas uma coisa (bom, além do primeiro beijo): um tênis New Balance. Quem já tinha o exibia sujo e altivo. Quem ainda não tinha, como eu, andava disfarçado pelo corredor sonhando como aquele "N" prateado preencheria nossas vidas. Hoje olho para meus colegas de 30 e poucos anos e só os vejo pensando em uma coisa: Qual o propósito da minha vida? Em outras palavras: Qual a minha causa? Que raios Deus eu faço nesse mundo? Como vou encontrar essa coisa que me move, que tenha um fundo altruísta e de quebra um impacto estarrecedor na vida de milhares pessoas? Sim, porque aparentemente ele deve ser grandioso.
A busca seria por uma espécie de sentido ou propósito escondido embaixo do tapete da vida e nossa meta seria desvendar a charada e encontrá-lo.
É como se de repente, a embalagem tivesse que ser mais preciosa que o presente. Não basta dizer que vendemos casas, por exemplo, mas que ajudamos a livrar o mundo do déficit habitacional, realizando sonhos. O efeito é parecido como quando tudo virou design (de ambientes à sobrancelhas) para dar aquele ar sofisticado à entrega.
Realmente existem profissões cheias de amor e significado, como os médicos salvando vidas, os professores moldando o futuro através das crianças. E você pode dizer que existe grandiosidade em todos os trabalhos, dos mais simples aos que conjugam as tarefas mais corajosas ou elaboradas, e de fato você estará certo. Mas o que passa pela cabeça de quem dedica mais de 8 horas de cada um dos seus dias computando notas fiscais? São pelo menos 2.080 horas por ano registrando, por assim dizer, a transferência de propriedades para um mundo melhor. Bom, este amigo terá que cavar bem fundo pra responder a pergunta de ouro.
Talvez seja culpa das startups, onde tudo é exponencial e cheio de sentido. Ou talvez eu e meus amigos estejamos só mais velhos e em alguma das crises de identidade que nos assolam a cada sete anos. Mas o fato é que nem todos irão para a África, farão trabalhos voluntários ou terão uma empresa com uma causa incrível.
Pensando nisso, resolvi organizar abaixo alguns pensamentos para complicar um pouco mais a cabeça de quem está procurando o sentido da vida (se eu dissesse que estariam aí os 5 passos para encontrar o seu propósito soaria bem estranho, não?). Tudo começa e termina numa boa reflexão e algumas pulgas atrás da orelha. Então vamos lá:
1. Pasme: você não é a coisa mais importante desse mundo
Neste postcast (muito bacana por sinal) o Matt Simmonds da Liberty Church de Amsterdam fala que numa passadinha pela sessão de Religião e Espiritualidade de qualquer livraria o que vemos (além de alguns exemplares sobre as grandes religiões e correntes filosóficas do mundo) são na verdade dezenas de livros de auto-ajuda. Como se pudéssemos encontrar o divino olhando para nós mesmos.
Nossa cultura é construída sobre a premissa de que nós somos a pessoa mais importante, e a nossa missão na vida é nos mantermos felizes. Um individualismo (ou narcisismo em alguns momentos) que tenta incessantemente preencher todos os pedaços. Neste sentido, tudo parece ser uma barreira para um encontro verdadeiro com a própria identidade. Meu chefe, meu trabalho, minha família ou a forma com que fui criado, o país onde vivo e até mesmo meu corpo físico (que falha em reproduzir minha verdadeira essência) posam como muros entre meu eu idealizado e o que vejo agora.
Como diria música "Eu ainda estou aqui, perdido em mil versões irreais de mim". Assim, o que nos afasta do resultado é a busca obsessiva e a miopia em si mesmo.
2. Não é o que você faz, é o que você é
A forma como nos definimos conta muito sobre nossas crenças em relação a nós mesmos e como percebemos nosso papel no mundo. Normalmente a coisa começa assim: "Olá, eu sou o fulano e eu faço ISSO". Se o isso for algo fantástico o céu se abre, glitter cai do céu e as cabeças balançam pra cima e pra baixo em sinal de aprovação.
O que alguém faz agrega significado, valor, identidade. Por isso encontrar essa espécie de insight ou momento ah-há da vida parece ser fundamental. A questão é que todas essas coisas são muito frágeis para que se coloque aí tamanho valor. Se alguém se define a partir do que faz, ou seja, seu trabalho, uma vez que a carreira vai por água abaixo, a vida também desce pelo ralo. E quantas histórias tristes já vimos neste sentido.
Aqui neste post falei um pouco sobre as ideias da Elizabeth Gilbert sobre hobby, trabalho, carreira e vocação. As definições são bem úteis para esclarecer alguns dilemas. A resposta para tudo isso não seria ajustar nossa apresentação para algo mais profundo ou idílico (do tipo "Olá, sou Fulano, amante da natureza, pai de 2 filhos e marido dedicado. E vc?"), mas mudar nossas crenças sobre para onde realmente vale apontar o coração.
Existem algumas coisas que são absolutamente sagradas para nós, de forma que se tiradas nos destróem por inteiro. Se isso for algo tão frágil como um título ou uma carreira podemos estar correndo um sério perigo. É na essência e na fé que encontramos nosso real valor.
3. O papel da motivação
Viktor Frankl, pai da Logoterapia, define a sua escola de psicologia de uma maneira bem simples "Ela o ajuda a encontrar razões para viver". Encontrar seu propósito na vida dá aos pacientes a força necessária para superar os obstáculos mais difíceis, simplesmente porque encontraram um motivo para levantar da cama todas as manhãs. Nos seus estudos em Viena ele descobriu que aproximadamente 80% das pessoas acreditam que os seres humanos precisam um motivo para viver e 60% das pessoas têm alguém ou alguma coisa pela qual valeria à pena morrer por.
Essa força motriz dada pelo propósito para alcançar desafios foi experimentada pelo próprio Frankl quando prisioneiro nos campos de Auschwitz. Ele foi o primeiro paciente da sua prática, ao constatar que sua determinação em cumprir com seu propósito o manteve vivo. Ao chegar ao campo de concentração ele levava seu manuscrito, pronto para publicação, contendo as teorias e pesquisas de toda sua carreira. Ao ver seu trabalho confiscado, Frankl se viu compelido a escrevê-lo novamente, se tornando essa sua missão.
Ao longo dos anos ali, percebeu o quanto ser guiado por um propósito claro ou uma missão (reencontrar a família viva, por exemplo) diferenciava os que morriam dos que conseguiam se manter vivos mesmo em meio a inúmeras dificuldades. Ele mesmo vivenciou isso ao contrair Tifo e ainda assim manter-se lutando para concluir seu trabalho buscando por palavras e fragmentos perdidos nos restos de papel que encontrava. A partir desta experiência ele re-escreveu sua obra sob uma nova ótica, e aí nascia a Logoterapia.
"Everything can be taken from a man but one thing: the last of the human freedoms - to choose one's attitude in any given set of circumstances, to choose one's own way" Viktor Frankl.
"Tudo pode ser tirado de um homem, menos uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher sua atitude frente a qualquer conjunto de circunstâncias, escolher seu próprio caminho"
Assim, uma certa tensão existencial natural entre o que conquistamos até agora e o que gostaríamos de atingir no futuro é saudável. O que Frankl defende é que não precisamos de uma existência pacífica, mas de desafios que possamos ultrapassar usando o conjunto de habilidades que temos a nosso dispor.
Dr Howard S. Friedman, da universidade da Califórnia conduziu um estudo por mais de 20 anos observando um grupo de pessoas e descobriu que aqueles que mantinham uma pequena dose de stress, enfrentando desafios e colocando seu coração e alma no trabalho viviam mais do que aqueles que escolhiam um estilo de vida relaxada e se aposentavam cedo. Ou seja, um pouco de stress e problemas que nos movam para frente nos faz bem.
Tudo depende de onde está nosso coração e com que carga emocional encaramos os problemas. Se eles serão o fim do mundo ou um combustível adicional que nos fará avançar mais algumas milhas. No livro "Man's Searching for Meaning" Frankl cita uma famosa frase de Nietzsche:
"He who has a why to life for can bear with almost any how." Nietzsche
"Aquele que tem um porquê para viver pode suportar quase qualquer como."
4. A Criatura não pode saber para que foi criada sem a ajuda do Criador
Essa ideia é de Rick Warren, autor do livro Uma Vida com Propósitos, que na época li com certeza absoluta que encontraria o meu escrito nas entrelinhas da última página.
A crença, de que compartilho, é que se fomos criados por Deus, e à sua imagem e semelhança, não podemos seguir essa busca por nos conhecermos sem antes conhecermos a Ele. E o que normalmente fica entre nós e Deus é nosso culto a nós mesmos, ou ainda o nosso desejo de construir um Deus que nos agrade.
Uma história interessante que ilustra bem este ponto é a do Livro do Êxodo, que conta a história da libertação do povo de Deus do Egito. Mesmo tendo visto maravilhas e milagres, pouco tempo depois da libertação no deserto eles construíram um bezerro de ouro (enquanto Moisés estava no monte falando com Deus por eles, inclusive 🤦🏼 - se quiser ler na íntegra está em Êxodo 32).
O que eles fizeram foi re-imaginar Deus com um jeitão egípcio, provavelmente conforme aprenderam em seus anos de escravidão. Eles precisavam de algo que coubesse no seu sistema de crenças. Esta é uma história cheia de simbologias e aprendizados. Fazemos exatamente a mesma coisa hoje, imaginamos um Deus que funcione pra gente, o recriamos à nossa imagem, sem conhecê-lo de fato. Tiramos o que não parece fazer sentido e acrescentamos uma coisa bacana que vimos no Netflix. Um Deus mais confortável, que caiba no que precisamos, numa espécie de re-design da fé.
O bottom line é: Deus não mudou. Ele é o mesmo. Nós mudamos mas Ele não. Se você quer saber quem você é, comece por conhecer o caráter Dele. Não como quem conhece o autor de um livro porque o leu, mas como quem conhece um filho, um pai, um amigo íntimo. Hoje parece ser super cool dizer que se está em busca de espiritualidade, fazer um retiro de meditação e visitar o Tibet. Nada contra, eu adoro todas essas coisas, mas a resposta é tão mais simples: lei a bíblia. Não para se encontrar, mas para encontrar a Deus (alôu, a bíblia não é sobre você, é sobre Ele). Deus se revela e conhecê-lo é uma experiência de tirar o fôlego (e o sono muitas vezes). Acredite, as respostas estão ali.
5. É bem mais simples do que parece
O livro IKIGAI: Os segredos dos japoneses para uma vida longa e feliz (delícia de ler, falarei mais dele depois) fala sobre os segredos dos anciãos da ilha japonesa de Okinawa, lugar com o maior índice de longevidade do mundo.
Dentre os mistérios está o Ikigai (explicado na perturbadora matriz abaixo - desafio da vida preencher), que pode ser traduzido como "razão pela qual levanto todos os dias pela manhã".
O livro discorre com vários exemplos de felicidade, companheirismo e afeto entre os moradores da ilha. Nenhum deles envolve a criação de um app ou um feito extraordinário. Uma das principais fórmulas da longevidade está em manter-se ativo e participante na comunidade. As pessoas se conhecem, se ajudam e cada um tem um papel na corrente. Se um tem um carro, por exemplo, leva quem não tem ao médico e outros compromissos. A perspectiva de ser necessário e útil é um sopro de alegria e propósito, mesmo nas coisas mais simples.
Dois exemplos me tocaram de forma especial. Em um dos depoimentos um senhor conta que todos os dias ele acorda mais cedo para dizer "Olá" e "Vejo você depois" para as crianças em seu caminho para a escola. Ele também acena para todos indo para o trabalho de carro. "Dirija com cuidado" ele diz. Entre 7:20 e 8:15 todas as manhãs ele estará lá. Quando todos passam, ele volta para casa. Este é o seu Ikigai. Desejar um bom dia para todos. Assim ele faz a diferença, é a sua motivação.
Em outro depoimento um senhor conta que acorda cedo todos os dias e caminha pela praia até a casa do seu amigo. Lá eles tomam chá e conversam. Depois disso é que o dia começa. Estar com seu amigo todas as manhãs é a sua motivação. Faça chuva ou sol. Simples assim.
O sentido da vida talvez seja um dos assuntos mais complexos, cheios de nuances e mistérios que jamais entenderemos. Sem perceber nos flagramos como Indiana Jones em busca da arca perdida, quebrando a cabeça para resumi-la em uma sentença. Mas há quem diga, contudo, que a beleza da vida está exatamente aí: em descobri-la, em não entendê-la, na sua improbabilidade, em não saber a resposta, mudar de rota e dar gargalhadas a cada revelação. "Sério?! Eu amo fazer isso! Como não percebi antes!?".
A vida não é um plano a ser seguido, um enigma para decifrar ou algo a ser conquistado. É algo para saborear, experimentar. Se estivesse tudo pronto e já conhecêssemos todos os seus gostos que graça ela teria, não é mesmo?
Que as surpresas sejam boas para você! Feliz Ikigai!