Hoje na aula de inglês discutimos um pouco sobre o significado da palavra "frugal". É negativa? Será pejorativo falar de alguém assim? Parece chique usá-la como adjetivo. Mesmo em português nunca havia parado para pensar no significado. Simples, comedido, modesto, frugal. É a versão oldfashion do minimalismo. Não sei onde essa palavra andava escondida, mas parece que a encontro agora em todo lugar, como quando a gente decide comprar um carro e de uma hora pra outra só dá ele na rua (atenção seletiva - é quando você acredita realmente que o número de grávidas dobrou desde que a sua barriga cresceu).
Quando comecei a escrever os textos dessa sessão pensei em coisas que experimentei aqui e que me fazem felizes, para que as pessoas possam aplicar aí, sem todo o custo e o risco da mudança. Percebi, contudo, que corro o risco de soar imensamente hipócrita. Afinal, é fácil ir pedalando para os lugares quando há ciclovias, fazer atividades gratuitas e ao ar livre quando há parques para escolher à vontade, usar o transporte público quando ele funciona, e por aí vai.
A expressão "When in Rome, do as the romans do" tem uma razão de ser. É porque é naturalmente mais fácil, seguimos com a maioria.
Falava agora com uma amiga que, corajosa, optou por uma vida mais simples na sua cidade. Passar perrengue na Europa parece ser mais glamuroso ou justificado (Nope!), mas na sua cidade natal pode parecer loucura.
Uma mudança para uma vida mais simples requer uma boa dose de valentia, e falo de culhões bem maiores do que os de mudar de país. Me explico: se estamos em um lugar onde é complicado depender da saúde pública, por exemplo, é preciso trabalhar muito para pagar um plano de saúde razoável para a família. Se o transporte público é ineficiente, precisamos colocar na conta um carro. E se morar em determinado lugar não é seguro, dá-lhe trabalhar mais para morar em uma boa vizinhança. Somando tudo, significa que se precisa trabalhar muito para viver o que imaginamos ser uma vida digna.
Estou carregando nas cores aqui para esclarecer o argumento. E não faço isso para falar mal do Brasil ou qualquer coisa do tipo (Deus me livre de entrar nessa seara). Mas para justificar o ciclo em que nos metemos, e que o autor de Pai Rico, Pai Pobre explica muito bem.
É claro que a vida fora do Brasil não é o que as pessoas imaginam. Existem milhares de desvantagens, mas vamos focar aqui nas coisas boas para que a conta feche nesta reflexão. No final do dia todos queremos conforto. Quero sim uma vida mais simples, mas não a ponto de ter uma composteira. E se for preciso dirigir 15 quilômetros para levar o lixo para reciclar, sei que não o farei.
Cerca de um mês antes de nos mudarmos, eu ia andando para o trabalho, grávida, numa rua sem calçada, quando um motoqueiro foi jogado para o acostamento se espatifando alguns metros a minha frente.
É esse tipo de coisa que nos desencoraja, e acabamos então como os outros romanos, sozinhos dentro de um carro feito para levar 5, piorando o mundo, uma comodidade por vez.
Mas não digo isso para só lamentar o que não é ou que poderia ter sido. Escrevo porque quero voltar um dia e realmente acredito que podemos fazer melhor. Talvez não seja possível chegar nos 100% logo de início, mas há muito que pode ser feito, de forma não tão dolorida.
Conheço pessoas que optaram por morar mais perto do trabalho para que possam ir andando. Tenho amigos que escolheram uma casa pequena e simples, podendo ter algo maior, pelo simples fato de ser suficiente. Gente que descobriu que não precisa de muita roupa e que isso reduz uns 30 minutos do dia dedicados à profunda reflexão "o que vou vestir hoje?". Temos dois casais de amigos cujos homens decidiram trabalhar em casa para estarem mais próximos dos filhos. E tantos outros exemplos disruptivos e bacanas.
A meu ver muito disso vem do modelo de trabalho que escolhemos, e isso, eu creio, pode ser um caminho viável para um novo momento na nossa geração.
Pode soar inocente, mas eu realmente creio que com tantas startups, o trabalho pode se tornar um viabilizador de uma vida mais simples. Há sim um caminho do meio, que se opõe ao trabalho de segunda à sexta-feira, das 8 às 18:30. Mas ele precisa ser criado.
Aqui na Holanda há mais flexibilidade nos modelos de trabalho. É possível, por exemplo, que o homem trabalhe 3 dias da semana e a mulher 2 dias, de forma a intercalarem o cuidado com os filhos. É claro que se ganha menos, porque se trabalha menos. A esta altura você já fez as contas e pensou que isso funciona porque os serviços públicos são de qualidade e gratuitos, o que às vezes é verdade, mas existem muitas outras coisas necessárias à vida e bastante caras aqui, como o aluguel por exemplo. Então no final do dia, para se trabalhar menos e continuar vivendo é preciso gastar menos, não há milagre.
Eu costumava me assustar com a forma com que as pessoas encaravam o trabalho, numa relação quase passional. Tratamos logo de criar uma "família", vestir a camisa, dar o sangue, e tudo isso às vezes parecia dramático demais. Não estou trabalhando aqui, mas percebo que a relação das pessoas com o trabalho é mais distante e pacífica, o que acaba por comportar um estilo de vida mais prazeroso.
As pessoas não se matam de trabalhar ou ficam mais do que o necessário. Não é preciso demonstrar toda sua capacidade de subserviência em uma entrevista de emprego por exemplo, mas se pode falar abertamente sobre a quantidade de horas que se deseja ou se pode trabalhar por semana. É possível viver tranquilamente como um freelancer sentado num café diferente por dia (e ninguém irá te incomodar se passar horas trabalhando e consumir só um expresso).
O trabalho pode ser o que deve ser: uma fonte de prazer, e também uma troca vantajosa para os dois lados. Eu tenho algo a oferecer a alguém que o quer comprar.
Termino com a esperança ingênua e sincera de ver isso acontecer também longe daqui. Somos o povo mais criativo que há. Que possamos ser inventivos também quanto à forma de usar nossos talentos e o nosso tempo, para que ele sobre à vontade, e assim possamos nos dar ao luxo dessa tal frugalidade.