Temos passado muito tempo juntas, e se antes a minha mente vagava entre problemas de planilhas, agora ronda mais do que nunca a casa dos seus sentimentos e a forma como você descobre o mundo. Na sua idade eu não tinha muitos amigos, não creio que isso me incomodava, mas lembro de um esforço silencioso e articulado da minha mãe. Acho que tinha sua idade quando passei uma tarde incrível brincando com dois garotos da rua de baixo. Nunca os havia visto antes. No momento em que foram embora entendi que minha mãe havia prometido a eles algo em retorno. Às vezes me pego pensando hoje em fazer algo similar por você, até me lembrar dessa história.
O que mais me comove na forma como você encara as mudanças - de país, de casa, de escola - é sua falta de reclamação. Não que você não se queixe das coisas, e meus dias de homeschooling estão aí para comprovar minha santidade e os limites da sanidade, mas mesmo nos períodos mais difíceis você nunca nos pediu para, por exemplo, não ir à escola. Nos primeiros dias, quando não entendia quase nenhuma palavra e chorava durante as aulas, as crianças te consolavam e no dia seguinte lá estava você novamente, até que aquele lugar e aquelas crianças se tornaram sua alegria. Agora, numa nova escola em que falta lastro e conexão, lá está você, seguindo.
Acho que, ainda que algo falte, você sempre encontrou nestes lugares e momentos alguma coisa que genuinamente te agradava. Uma faísca, um desejo, algum encontro.
Mesmo correndo atrás do que pareceria básico por culpa do idioma, você nunca se afastou da perspectiva de que tinha todas as condições de aprender algo novo. Você é inteligente, ainda que, a meu ver, não seja essa a questão.
O que nos mantém de pé e em movimento nessas situações é um tipo singular de curiosidade. Uma inconveniência, no bom sentido. Uma coceira sutil que mantém acesa a chama. O querer saber o que mais existe aí pra mim. A perspectiva de que o mundo é vasto de pequenices interessantes.
Não há dúvidas de que ao ler essa carta você já terá experimentado muitos tipos de amigos. Alguns passageiros, outros que vieram para ficar. Se for afortunada, talvez esteja contando dois ou três na última categoria. Mas o que meu coração materno mais deseja, como uma bênção, é que sua curiosidade resoluta permaneça.
Que você não se compare, que não tente se fazer das mesmas cores, mas que se abra interessada para o que o mundo tem a oferecer. Que continue indo sem reclamar, mesmo quando tudo soe pouco familiar, não como quem suprime um sofrimento, mas como quem experimenta um novo prato, legitimamente provando da vida. Se o gosto for ruim, sei também que a minha menina não hesitará em dar meia volta e ir embora. Por enquanto, ainda que você não me peça, quero estar atenta a esses gostos por você.
Tudo o que almejamos na vida - realizações, viagens, reconhecimento, coisas - são acessórios. São subprodutos que orbitam ao redor da essência, que é o amor. As conexões que fazemos e que nutrem nossa existência tão efêmera.