Quando os pegamos no colo pela primeira vez realizamos o fato de que de nós depende quase tudo a seu respeito. Falar, andar, comer. Além de um mundo inteiro que precisa ser decodificado e apresentado em doses palatáveis à cada uma das suas fases. O instinto protetor nos lembra que você precisa de nós para continuar viva e minha vida passa a significar proteger a sua.
A medida em que você cresce há tanto que eu quero te contar… Até o dia que percebo que somos só mais um entre milhares de canais que você escolherá para formar as lentes com as quais verá o mundo. E aquela sensação de que sou eu o mestre e você a aluna se quebra cada vez que a percebo falando sobre algo que não veio de mim. Dentre essas muitas, a que mais toca o meu coração são as coisas do céu.
Sei que você me observa e que muitas vezes conversamos sobre isso, mas creio que as crianças têm mesmo uma sensibilidade que perdemos ao envelhecer. Durante os primeiros anos acho realmente que vêem mais.
Ainda não que não percebam as más intenções elaboradamente apresentadas, percebem de um jeito natural o que para os adultos é difícil. Instinto, pureza ou a distração de quem não parece mas entende tudo. Ou pelo menos tudo que importa.
Ontem passei o dia preocupada com os meus pais. Pensando neles sem falar, bolando estratégias, criando na cabeça formas complicadas de ajudá-los, como os adultos fazem. Brincando com você no sofá disse que queria um cheirinho porque esses cheiros - seu, do papai, do seu irmão e dos meus pais - são o que me faz mais feliz. Você me disse: “Sabe o que é mais importante que os seus pais? Jesus”. Assim… na lata.
É verdade, pensei. Talvez esteja agindo “adultamente” errado. Pensei em como você me lembra disso o tempo todo. Cada vez que vê algo bonito agradece a Deus, até pelas coisas mais improváveis e engraçadas, como a abençoada meleca que o caracol deixa ao passar. Quando achamos algo feio você lembra que aquela é uma criação de Deus. Quando digo que algo é importante demais você me lembra que não é bem assim, afinal o Criador é mais importante que a obra.
Da onde você tira isso?!
Nestes momentos faço uma prece silenciosa para que você não esqueça disso ao crescer. Dessa verdade que hoje é tão absoluta que quase dá pra pegar. Esquecemos que os filhos estão também para nos ensinar. Que ao ver em você algo tão meu de que não gosto eu me aperfeiçoo. Que eu aprendo com você especialmente com o que não te ensinei.
Resolvemos dormir juntas, cochichando embaixo da coberta escondidas do seu pai. Sem nenhum contexto você dispara que fica pensando em como é Deus. “Eu achava que Ele tinha uma barba branca, mas não tem não”, me disse. “Tem a pele meio escura, olho “black”, barba um pouco curtinha, cabelos com ondinhas, com um brilho ao redor, vestido branco e sandálias do Hércules”. Me parece uma descrição bem apurada.
Gosto de pensar que é Ele o responsável por te fazer ver o que eu não vejo e sentir o que eu não sinto. Que através de você e de outras crianças alguns recados sobre o que é mais importante são entregues. Remessa especial.
E que assim como Ele se fez presente agora, será também Ele que poderá te lembrar mais tarde sobre o que você me diz. Muito depois que estas palavras se percam, Ele estará, fazendo morada à sua maneira.
Assim, com um pingo do papel de mestre que me resta oro a Deus para que quando estiver adulta, preocupada e sabida você possa se perguntar a si mesma: “Ei, sabe o que é mais importante que isso?”.